sábado, 9 de outubro de 2010

O Nobel e a chantagem econômica da China

 Do blog da Cláudia Trevisan, representante do jornal O Estado de São Paulo na China:


A truculenta reação do governo chinês ao anúncio da entrega do Nobel da Paz a Liu Xiaobo acabou fortalecendo a premiação do dissidente, ao demonstrar que liberdade de informação e a ideia de uma sociedade civil independente do Estado são conceitos ausentes do dicionário das autoridades de Pequim.
Além de censurar informações sobre Liu e o prêmio na internet, jornais, rádios, TV e até mensagens de celular, a China ameaçou retaliar a Noruega em razão da entrega do prêmio, como se o governo do país tivesse poder de definir a quem ele será entregue. Isso certamente seria possível na China, onde a mão pesada do Estado _que se confunde com o Partido Comunista_ está presente em todos os setores da sociedade.

Não existe na China a ideia de uma sociedade civil independente, que pode tomar decisões que muitas vezes se contrapõem aos interesses do governo. Como o caso de Liu Xiaobo demonstra, o preço de desafiar o Partido Comunista pode ser alto.

O Estado chinês também tem uma presença tentacular na economia, com o controle das megaestatais que estão investindo bilhões de dólares no exterior, inclusive no Brasil. Essas mesmas empresas também compram bilhões de dólares de produtos de outros países, como aviões, máquinas e equipamentos de tecnologia.

Isso dá à China um enorme poder para usar a chantagem econômica em defesa de seus interesses políticos. Como informou o correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade, uma das “vítimas” da retaliação da China contra a Noruega pode ser a compra de 40% de um campo de petróleo no Brasil explorado pela estatal norueguesa Stateoil. O negócio de US$ 3 bilhões foi anunciado em maio pela estatal chinesa Sinochem. Agora, corre o risco de ser cancelado no pacote de reação ao Nobel.

Se isso realmente acontecer, a China deixará claro que está disposta a usar seu novo poderio econômico para impor aos demais países sua posição em relação a temas políticos que considera estratégicos, ainda que isso contrarie princípios que grande parte do restante do mundo preza.

A lista de temas sensíveis para Pequim inclui Tibete, Taiwan, questões territoriais e a interferência em assuntos que considera “internos”. Pequim costuma reagir de maneira estridente quando vê seus interesses nessas áreas contrariados. Alguns países deixaram de dar vistos de entrada para o dalai lama em razão de pressão econômica da China, que considera o líder espiritual tibetano um separatista criminoso. Presidentes que decidem receber o dalai lama são ameaçados com o bordão de que isso irá afetar o relacionamento bilateral. Pequim sustenta que o assunto é uma questão interna da China e ignora o fato de que a definição da agenda de um presidente também é uma questão interna de outros países.

A disposição de Pequim de usar armas não-convencionais na disputa diplomática com outros países ficou clara no confronto recente com o Japão em torno da soberania sobre as ilhas Diaoyu/Senkaku, disputada pelos dois países.

Depois que o Japão prendeu o capitão de um navio pesqueiro na região, Pequim suspendeu contatos de alto nível com Tóquio e cancelou a visita de estudantes japoneses a Xangai e de turistas chineses ao Japão. Essas foram as medidas oficiais.

Extraoficialmente, a China suspendeu a exportação para o Japão de minerais raros, essenciais para a indústria de alta tecnologia e de energias limpas, o que contraria as regras da Organização Mundial do Comércio. A China detém um virtual monopólio do setor, com controle de 96% da produção mundial.
Pequim nega que a exportação tenha sido suspensa, mas pesquisa realizada por Tóquio entre importadores mostrou que todos os 31 entrevistados enfrentam problemas nas compras do produto desde 21 de setembro _no dia 19, promotores japoneses haviam anunciado a prorrogação da prisão do capitão.

No dia 20, quatro cidadãos japoneses foram presos na China sob a acusação de filmarem instalações militares. Três deles foram libertados no dia 30 de setembro, depois de terem admitido que violaram a legislação chinesa, segundo a agência oficial de notícias Xinhua. O quarto continua sob investigação.

O capitão chinês foi libertado no dia 25 de setembro.


Link: http://blogs.estadao.com.br/claudia-trevisan/o-nobel-e-a-chantagem-economica-da-china/

Nenhum comentário:

Postar um comentário