sábado, 9 de outubro de 2010

O Nobel e a chantagem econômica da China

 Do blog da Cláudia Trevisan, representante do jornal O Estado de São Paulo na China:


A truculenta reação do governo chinês ao anúncio da entrega do Nobel da Paz a Liu Xiaobo acabou fortalecendo a premiação do dissidente, ao demonstrar que liberdade de informação e a ideia de uma sociedade civil independente do Estado são conceitos ausentes do dicionário das autoridades de Pequim.
Além de censurar informações sobre Liu e o prêmio na internet, jornais, rádios, TV e até mensagens de celular, a China ameaçou retaliar a Noruega em razão da entrega do prêmio, como se o governo do país tivesse poder de definir a quem ele será entregue. Isso certamente seria possível na China, onde a mão pesada do Estado _que se confunde com o Partido Comunista_ está presente em todos os setores da sociedade.

Não existe na China a ideia de uma sociedade civil independente, que pode tomar decisões que muitas vezes se contrapõem aos interesses do governo. Como o caso de Liu Xiaobo demonstra, o preço de desafiar o Partido Comunista pode ser alto.

O Estado chinês também tem uma presença tentacular na economia, com o controle das megaestatais que estão investindo bilhões de dólares no exterior, inclusive no Brasil. Essas mesmas empresas também compram bilhões de dólares de produtos de outros países, como aviões, máquinas e equipamentos de tecnologia.

Isso dá à China um enorme poder para usar a chantagem econômica em defesa de seus interesses políticos. Como informou o correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade, uma das “vítimas” da retaliação da China contra a Noruega pode ser a compra de 40% de um campo de petróleo no Brasil explorado pela estatal norueguesa Stateoil. O negócio de US$ 3 bilhões foi anunciado em maio pela estatal chinesa Sinochem. Agora, corre o risco de ser cancelado no pacote de reação ao Nobel.

Se isso realmente acontecer, a China deixará claro que está disposta a usar seu novo poderio econômico para impor aos demais países sua posição em relação a temas políticos que considera estratégicos, ainda que isso contrarie princípios que grande parte do restante do mundo preza.

A lista de temas sensíveis para Pequim inclui Tibete, Taiwan, questões territoriais e a interferência em assuntos que considera “internos”. Pequim costuma reagir de maneira estridente quando vê seus interesses nessas áreas contrariados. Alguns países deixaram de dar vistos de entrada para o dalai lama em razão de pressão econômica da China, que considera o líder espiritual tibetano um separatista criminoso. Presidentes que decidem receber o dalai lama são ameaçados com o bordão de que isso irá afetar o relacionamento bilateral. Pequim sustenta que o assunto é uma questão interna da China e ignora o fato de que a definição da agenda de um presidente também é uma questão interna de outros países.

A disposição de Pequim de usar armas não-convencionais na disputa diplomática com outros países ficou clara no confronto recente com o Japão em torno da soberania sobre as ilhas Diaoyu/Senkaku, disputada pelos dois países.

Depois que o Japão prendeu o capitão de um navio pesqueiro na região, Pequim suspendeu contatos de alto nível com Tóquio e cancelou a visita de estudantes japoneses a Xangai e de turistas chineses ao Japão. Essas foram as medidas oficiais.

Extraoficialmente, a China suspendeu a exportação para o Japão de minerais raros, essenciais para a indústria de alta tecnologia e de energias limpas, o que contraria as regras da Organização Mundial do Comércio. A China detém um virtual monopólio do setor, com controle de 96% da produção mundial.
Pequim nega que a exportação tenha sido suspensa, mas pesquisa realizada por Tóquio entre importadores mostrou que todos os 31 entrevistados enfrentam problemas nas compras do produto desde 21 de setembro _no dia 19, promotores japoneses haviam anunciado a prorrogação da prisão do capitão.

No dia 20, quatro cidadãos japoneses foram presos na China sob a acusação de filmarem instalações militares. Três deles foram libertados no dia 30 de setembro, depois de terem admitido que violaram a legislação chinesa, segundo a agência oficial de notícias Xinhua. O quarto continua sob investigação.

O capitão chinês foi libertado no dia 25 de setembro.


Link: http://blogs.estadao.com.br/claudia-trevisan/o-nobel-e-a-chantagem-economica-da-china/

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Vietnã - parte 3/5 (Demais cidades)

Enfim! A continuação! Iahuuuuuu!!!!!

Baia de Halong

A cerca de 164 km de Hanói fica a Baia de Halong, famoso ponto turístico do Vietnã. Para apreciar totalmente a beleza do local só mesmo de barco, e foi o que nós fizemos. Ao chegar na cidade de Halong subimos em um barco e fizemos um cruzeiro de 1 dia e meio, dormindo no barco no meio do mar. Halong significa algo como “descida dos dragões”, por causa das milhares de pequenas formações rochosas que se espalham pelo local, lembrando um lugar onde os dragões descem para por seus ovos. São mais de 3000 pequenas ilhetas de pura rocha que emergem da água espalhadas pela área da baía; algumas com pequenas praias, outras com cavernas que podem ser adentradas. Não há muito mais o que falar, olhem as fotos e julguem por si mesmos.

Sapa

Sapa é uma vila nas montanhas que fazem fronteira com a China no noroeste do Vietnã, a cerca de 300 km de Hanói. Além de admirar a vistas maravilhosas que se tem das montanhas cobertas de nuvens e recortadas por “degraus” de plantações de arroz, o turistas vêm aqui para conhecer um pouco dos 2 grupos étnicos que vivem por aqui: os H’mong, com suas roupas escuras, e o Dao, com seus chapéus vermelhos. Primeiro uma explicação, assim como a China, o Vietnã é um país com vários grupos étnicos que compõem a sua população. Além do grupo majoritário, os Viets, do qual a Chi faz parte e que compõem 86% da população, há mais de 50 outros pequenos grupos. Como era de se esperar, esse pessoal habita as áreas mais isoladas do território, especialmente o topo das montanhas, e é em geral bem mais pobre do que os Viets.

Apesar da chuva que nos incomodou quase o tempo inteiro e do tempo encoberto que nos impediu de ver várias das montanhas (inclusive o pico mais alto do Vietnã...), até que deu para aproveitar. Além das montanhas, plantações e a magnífica catarata Thac Bac, de 100m de altura, pudemos visitar a pequena vila de Cat Cat. Na vila habitada pelos H’mong as casas se espalham pelas costas das montanhas em meio às plantações de arroz, e a vida segue por ali enquanto os turistas passam para tirar fotos e comprar artesanatos local. Vê-se as crianças “tocando” gado, indo à escola, os adultos trabalhando na lavoura ou cuidando dos animais, as mulheres tecendo seus produtos (e vendendo é claro), os motociclistas se oferecendo para levar os turistas de volta à cidade, etc.

A cidade hoje é uma grande atração turística do Vietnã, então a principal atividade econômica dos locais é a venda de artesanato típico. Claro que o lucro grande dos hotéis e agências turísticas fica com os Viets, e não com os grupos indígenas em grande parte não-escolarizados e mal sabendo falar vietnamita. Por toda a cidade, e especialmente no mercado central, a cada 5 minutos os turistas são abordados por mulheres extremamente baixinhas em trajes típicos perguntando “Buy something from me? Buy something from me?”, tentando empurrar seu artesanato. No mercado central, enquanto barganhávamos por alguns produtos, eu e a Chi fomos cercados por umas 10 delas que não se conformavam por estarmos comprando apenas de uma. “Buy something from her, buy something from me! Buy something from her, buy something from me!”

Hue

Hue fica na região central do Vietnã e foi a capital do país do século 18 ao início do século 19, mas ao contrário de Hanói, ainda preserva um pouco do seu passado monárquico. O antigo muro da cidadela antiga ainda está inteiro, assim como as estruturas do palácio imperial em seu interior, e dão uma boa idéia do que teria sido há alguns séculos atrás. A forma da cidade lembra um pouco Beijing (muro externo, muro interno, palácio), mas em uma escala muito menor. Aliás, parece que tudo no Vietnã que tem influência chinesa possui um tamanho diminuto em comparação com o vizinho do norte; as construções reais, muralhas, palácios, templos, estátuas dentro dos templos, tudo é bem menor que na China. Enquanto os chineses gostam de tudo enorme, os vietnamitas admiram as coisas pequenas, e não é apenas uma questão de ter menos poder que a China, mas de gosto estético também. Nos arredores da cidade ficam as tumbas dos reis da última dinastia do Vietnã, que foi também a que teve que enfrentar sua quase completa perde de autonomia devido à ocupação dos franceses. A mais interessante é a do último rei com claras influências ocidentais que se misturam ao estilo local e o estilo chinês tradicionais das demais tumbas. Foi também em Hue que eu entrei pela primeira vez em uma igreja católica vietnamita. A primeira vista ela parece igual às igrejas ocidentais, externa e internamente. Mas basta uma olhada mais atenta para se perceber os detalhes que indicam que se está no Vietnã, dos incensários em frente às imagens dos santos, passando pelo tambor e sino nos lados do altar (típico dos templos budistas asiáticos) até a Nossa Senhora segurando o Menino Jesus, ambos vestindo roupas tradicionais vietnamitas.

Hoian

Ao sul de Hue fica a cidadezinha de Hoian, cidade portuária que foi um dos mais importantes centros comerciais asiáticos do século 17 ao 19, quando sua importância foi eclipsado pelo porto de Danang ao norte. Exatamente por ter sido praticamente esquecida a partir de seu declínio econômico a cidade escapou da destruição das diversas guerras que devastaram o país nos últimos 2 séculos, e preserva até hoje a arquitetura de antigamente. Como um centro cosmopolita que foi, na cidade é possível perceber a influência que recebeu dos marinheiros que desembarcavam de todo o mundo, especialmente chineses e japoneses. Foi também por esse porto que o cristianismo chegou ao Vietnã através de um missionário francês. Para nós que apenas estudamos a história ocidental as vezes é difícil imaginar a intensidade das trocas que ocorriam no continente asiático, independentes das que ocorriam na Europa mas não isoladas das mesmas. Através de Hoian chineses, japoneses, vietnamitas, malaios, indianos e os mais diversos povos asiáticos trocavam não apenas produtos em quantidade considerável, mas também cultura. A cidade possuía seus próprios distritos japonês e chinês, mas o japonês foi abandonado em 1637 quando o governo japonês, seguindo a política de isolamento iniciada com a era Edo, mandou todos os seus súditos retornarem para casa. Já o chinês ainda mantém as construções de suas sociedades provinciais, que nada mais são do que centros que reuniam a comunidade chinesa vinda de determinada província na China. Desta forma é possível hoje visitar a antiga a associação das províncias de Guangzhou (Cantão), Fujian, Hainan, Chaozhou, etc. E a cidade ainda conta com mais de 1000 descendentes de chineses.

My Son

Perto de Hoian ficam as ruínas de My Son (não é inglês! A pronúncia é “mi san”), o mais importante sítio arqueológico da civilização Champa, que floresceu no que hoje é o sul do Vietnã do século 4 ao 13. O lugar foi o mais importante centro religioso daquela civilização, e consiste em uma série de templos espalhados no meio da selva. As ruínas que ainda restam são o que sobreviveu à passagem dos séculos e aos bombardeios dos EUA durante a guerra. O lugar foi bombardeado por ter servido de base para os vietcongues, e tudo o que resta do maior e mais importante monumento do lugar são pedras no chão. Apesar disso, entre uma cratera de bomba e outra, ainda há várias estruturas em pé, incluindo os famosos “Lingas”, falos de pedra representando o deus Shiva, hehe. Sim, a civilização Champa foi muito influenciada pela Índia, assim como a maioria dos demais países do sudeste asiático com exceção do Vietnã, que recebeu sua maior influência do grande vizinho do norte.

Danang

Por fim, ao norte de Hoian fica Danang, uma das mais famosas praias do Vietnã. Bom, praia é praia. É linda, mas não tem muito mais o que falar. Na cidade nós visitamos um grande templo da religião Cao Dai, uma religião nativa do Vietnã que posso descrever como, no mínimo, exótica. Seu lema é “Todas as religiões buscam o mesmo objetivo” e a sua doutrina busca unir todas as crenças em uma só, evitando assim as guerras religiosas. No templo há uma pintura retratando Maomé, Laozi, Jesus, Buda e Confúcio, e seus santos são o vietnamita que fundou a religião algumas décadas atrás, Sun Yatsen e Victor Hugo! Sim, o fundador da República chinesa e o escritor francês! Não me perguntem de onde veio essa mistura que nem eu e a Chi entendemos! Também visitamos um museu de arte da civilização Champa (a mesma e construiu My Son) e em um templo budista do lado do museu presenciamos uma grande cerimônia budista em memória dos antepassados. Estava lotado de gente e oferendas espalhadas por todos os lados. Só não conseguimos aguentar muito tempo no local porque a voz do monge que estava conduzindo as orações saia das caixas de som em um volume ensurdecedor.

Ahhh, quase esqueço! No caminho entre Hoian e Danang paramos na montanha Tuy Son, onde diversos templo e monumentos sagrados foram construídos na superfície e dentro de cavernas. Para mim, uma das vistas mais bonitas do Vietnã foi uma das cavernas, alta e larga e com uma abertura no teto que deixava entrar luz para iluminar o templo e as imagens em seu interior e cair gotas d’água incessantemente. Surreal...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Daqui a 2 dias começa o feriado de 7 dias em comemoração da fundação da república popular, espero então ter mais tempo de escrever. Até lá!

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

World of Warcraft e a censura na Internet na China

Nada a ver com o Vietnã, mas acabei de ler este texto traduzido pela Márcia Schmaltz (uma gaúcha que está ensinando português na China) e tiver que divulgar aqui:



A beleza dos ideogramas, formas de manifestação da liberdade

Depois de esperarem por mais de 20 meses a liberação do "World of Warcraft" pelo orgão de controle de informação, finalmente, os chineses puderam ter acesso ao jogo eletrônico .

Contudo, os jogadores foram surpreendidos: na versão atualizada, ao digitar termos como "liberdade", "sexy", "exitação" - surpreendentemente, apenas aparecem com erro de codificação, impossibilitando a respectiva visualização. Pelo visto, essas palavras sofreram restrição governamental. Os jogadores até compreendem que termos "sexy" e "exitação" seja restringida, contudo não conseguem entender o porque da censura ao termo "liberdade".

Para evitar o erro de codificação, os jogadores já criaram uma solução para burlar a censura, começaram a digitar os ideogramas que formam o termo "liberdade" sem os traços superiores, como se tivessem decapitado a "cabeça" dos caracteres. Observe:

自由 –〉目田

Os dois ideogramas da esquerda é a escrita correta de "liberdade", observe que os ideogramas do lado direito não possuem os traços superiores, esses colocados um ao lado do outro não constituíam sentido, até agora, quando virou moda entre os internautas para expressar a vontade pela liberdade.

Haja criatividade!

(Traduzido e adaptado da International Chineses Newsweekly de 19/09/2010, autor: Guo Lei)



Fonte: http://marciaschmaltz.spaces.live.com/blog/cns!4A065CF0B0081CB!1771.entry

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Vietnã - parte 2/5 (Hanói 2)

A minha estada em Hanói não foi contínua, já que sai da cidade 3 vezes para viajar para outros lugares. Mas nos dias em que passei em Hanói deu para conhecer várias coisas, como o templo confucionista (similar aos chineses, mas com características próprias, como uma estátua do Confúcio completamente diferente da clássica chinesa), a frente do mausoléu do Ho Chi Minh (que não entramos porque tinha que usar calça e eu me recusei naquele calor de quase 40 graus), o Museu da Revolução (inclusive com uma guilhotina usada pelos colonialistas franceses para executar os rebeldes) e o Museu de Hanói (cheio de peças desde a pré história, passando pelo domínio chinês até o período imperial; o domínio colonial fica no da Revolução). Em Hanói não existe nenhum museu específico da guerra contra os EUA, sendo estes concentrados no sul.

Além dos lugares acima ainda visitei o centro antigo, com suas vielas nomeadas de acordo com os produtos vendidos pelos comerciantes ali antigamente. Mas uma das grandes atrações foi o tradicional teatro de marionetes aquáticos. É um teatro sobre uma piscina d’água com bonecos de madeira com algumas articulações, manipulados através de cabos que ficam submersos. Os manipuladores ficam dentro d’água escondidos atrás de uma cortina por onde os bonecos entram e saem. A apresentação consiste de pequenas cenas, como algumas lendas famosas e pequenas histórias representando a vida dos camponeses e aldeões. Inclui pescaria, semeadura dos campos de arroz, uma procissão de um mandarim recém empossado, a criação de búfalos, os camponeses tentando impedir uma raposa de capturar seus patos, etc. É incrível as possibilidades que a água fornece de encenações, mesmo com bonecos tão pouco articulados: à medida que os camponeses semeavam a terra o arroz ia brotando de dentro d’água; o pescador em cima do barco que segurava uma vara de pesca em uma mão e um cachimbo na outra (com direito a tragada e fumaça) subitamente é puxado por um grande peixe para dentro d’água e sem que percebamos a troca um boneco nadador surge em seu lugar; do acasalamento de um casal de fênix surge um ovo, e do ovo surge um pequeno filhote de fênix; e assim vai... Era lindo de ver a criancinha na fileira da frente torcendo para que o camponês capturasse a raposa. Infelizmente para tirar fotos era necessário comprar um bilhete extra, então adivinhem...

Bom, Hanói foi bastante interessante, mas para mim não foi o ponto alto da viagem, sendo mais a nossa base para as outras viagens. Os lugares mais interessantes (na minha opinião) eu descrevo em seguida, tais como uma das baias mais lindas do mundo (sem dúvida), a antiga capital murada, uma vila nas montanhas habitada por uma minoria étnica, as ruínas de uma civilização a muito tempo extinta, uma antiga cidade comercial com a arquitetura de séculos atrás ainda preservada e a praia mais famosa do Vietnã. Até logo!

Vietnã - parte 1/5 (Hanói 1)

De volta a Beijing, depois de quase três semanas de banda lá naquele paizinho pequeno em forma de S lá no sul chamado Vietnã. A viagem foi longa, muito boa e enriquecedora, o que significa muito texto! Então vamos lá...

Antes de entrar no país tive, é óbvio, que primeiro chegar lá, o que por si só não é pouca coisa. Como eu sou muito pão duro, resolvi viajar do modo mais barato, o que significa enfrentar muuuuitas horas de trem. De Beijing até Nanning (南宁) foram 28 horas dentro do trem, que na verdade foi muito confortável. Comprei uma passagem de leito, o que significa que, além de poder dormir decentemente durante a noite, eu ainda pude ir boa parte da viagem deitado ou sentado lendo. Estando bem abastecido de macarrão instantâneo e comida enlatada e tendo com o que se ocupar a viagem passa bem rápido. Passei a noite em um hostel em Nanning e peguei o ônibus que cruza a fronteira até Hanoi de manhã cedo. Ai foram mais umas 8 horas de viagem e burocracia na alfândega até a chegada. No total uns 3 mil quilômetros desde Beijing. A Chi estava me esperando de moto, ai veio a minha primeira e mais profunda impressão do Vietnã, MOTOS!

E eu que pensava que o trânsito de Beijing é caótico. Aquilo é fichinha comparado com Hanói! O meio de transporte mais básico no Vietnã são as scooters, maioria esmagadora no trânsito. É uma de gente cruzando na frente dos outros, buzinas para avisar que se está dobrando, gente indo na contramão para evitar fazer uma volta muito longa... Como se dobra à esquerda em uma via de mão dupla? Vai indo devagarzinho e buzinando feito um louco para que os que vêm no fluxo contrário desviem de ti oras! Como se cruza a pé um tráfego desses? Vai caminhando devagarzinho e prestando muuuuuuita atenção e aos poucos o fluxo vai desviando de ti, ao mesmo tempo em que tu vai sendo alvo de diversas buzinadas. É uma loucura! E minha primeira experiência disso foi no banco de trás de um desses veículos loucos, com uma motorista que conhece bem o ambiente e que, portanto, tem muita prática em buzinar e zigue-zaguear feito uma louca.

Durante o passeio, quando eu consegui vencer o medo do tráfego e olhar para o entorno, me veio a segunda grande impressão do Vietnã (ok, essa é mais específica de Hanói mesmo): a arquitetura. Casas coloridas coladas umas às outras, com a frente bem estreita, muitos andares de altura, com características claramente européias. A frente estreita, cerca de 5 metros, é porque antigamente o imposto residencial era cobrado baseado no tamanho da frente da casa, assim o pessoal tinha que afinar a casa para pagar menos. Mas como a unidade familiar, não só no Vietnã como em diversos outros países da Ásia, consiste em várias gerações da mesma família morando debaixo do mesmo teto, a casa tem que crescer para algum lugar. Desta forma, não são incomuns casas com 5 ou mais andares. Além disso, as décadas de ocupação francesa deixaram sua marca na frente das casas, onde mesmo um leigo como eu pode reparar nas características européias das sacadas, janelas, ornamentos, etc. Aliás, só a frente das casas é pintada, já que o dinheiro não é a coisa que mais abunda em Hanói. E também porque a probabilidade de que seja erguida outra casa igualmente alta à tua e colada à tua parede linda é bastante grande.

No fim do passeio veio a minha terceira grande impressão do Vietnã de Hanói: as vielas. Ao sair das ruas principais para chegar até as residências deve-se penetrar em um labirinto de ruelas que vão afinando a cada esquina, até que não é possível mais entrar de carro. Daí o porquê de tantas motos, senão só de bicicleta ou a pé para boa parte da população da cidade chegar em casa. Agora imaginem que ladeando estas vielas que as vezes tem menos de 4 metros de comprimento estejam as frentes das casas estreitas de mais de 3 andares que eu acabei de descrever no parágrafo acima. Como as sacadas avançam sobre as entradas das casas, uma criatura que vá se espreguiçar na sacada após levantar da cama pode bem dar de cara com o vizinho fumando um cigarro na sacada oposta a 2 metros de distância ou menos! É nestas vielas que vive boa parte da população de Hanói, pobres e não tão pobres assim. Um templo aqui e ali quebrando a monotonia das casas; ciclistas anunciando serviços diversos com caixas de som penduradas nas bicicletas; redes de fios elétricos que parecem um emaranhado de “gatos”; velhinhas usando o famoso chapéu cônico de palha equilibrando seus produtos à venda em cestas penduradas nas pontas de uma vara de bambu apoiada nos ombros; motociclistas buzinando para os pedestres darem passagem; banquinhas vendendo suco ou sopa de macarrão. Isto é Hanói! Em breve mais...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O grande evento

Como disse no post anterior, ainda não publiquei minhas aventuras no Vietnã (que eu, porém, já começei a escrever) porque ando muito ocupado esses dias, hoje não foi exceção. Mas sou obrigado publicar este post antes de voltar a escrever sobre o Vietnã.

Ontem o escritório dos estudantes estrangeiros me ligou convidando para participar de um evento importante na universidade hoje. Não sabiam o que era, mas disseram ser importante. Respondi que participaria, mesmo sem saber do que se tratava. Muito ruim não podia ser. Ontem mesmo começei a ouvir boatos sobre o que seria o tal evento até que confirmei a informação uma hora antes de começar: a vinda do presidente chinês Hujintao à universidade. O negócio era grande mesmo! A última vez que um presidente visitou a universidade foi 10 anos atrás.

Bom, e de resto não tem muito o que narrar. Eu, uns outros 15 estudantes estrangeiros e alguns milhares de estudantes chineses selecionados ficamos esperando de pé no estádio por umas 2 horas até nos mandarem ocupar as laterais de uma rua da universidade por onde a comitiva do presidente iria passar antes de deixar o campus, esperamos por mais umas 2 horas de pé, acenamos por 2 segundos para a criatura quando finalmente passou o carro dele e só. Ahh se eu soubesse que ficaria quase 4 horas esperando só para fazer isso... Pelo menos agora posso dizer que vi o presidente da China ao vivo, a contrário da maioria da população chinesa. O engraçado é que ele não conseguiu evitar de arregalar os olhos de surpresa quando viu o grupo de estrangeiros acenando para ele, huahauhauhua.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Já vai, já vai!

   Iai gente! Cheguei do Vietnã dia primeiro deste mês, mas ainda não consegui atualizar o blog por estar muito ocupado. Desde que eu cheguei estou em função de mudança de dormitório, ajuda aos recém chegados, adaptação ao novo dormitório, início do semestre e etc. Mas nos próximos dias com certeza vem a maldita atualização. Desculpas e até logo!

domingo, 8 de agosto de 2010

Início das férias - parte 3/3 (Nanjing 南京)

Bom, após Hangzhou fui-me para a última cidade no meu roteiro das férias no sul da China antes de voltar a Beijng, Nanjing (南京), capital da China por muitos séculos antes de Beijing tomar o seu posto. Passei 6 dias lá e para mim foi a cidade mais interessante das três que eu visitei. Um dos motivos foi que pela primeira vez eu estava completamente sozinho, para visitar tudo, comprar passagens, viajar, reservar hotel, etc. Mas o principal motivo foi a relevância histórica do local porra! Não apenas a cidade foi capital por mais tempo que Beijing como mesmo depois de perder seu status foi palco de eventos importantíssimos nos séculos 19 e 20.

Para começar, a cidade ainda preserva dois terços de sua muralha. Enquanto pouco menos de um século de guerras e revoluções conseguiram arrasar com quase toda a muralha de Beijng, em Nanjing ainda é possível ver a maior parte da maior muralha cercando uma cidade já construída no mundo. Segundo o Museu da Muralha de Nanjing, a segunda maior é (era) a de Paris e a terceira é (era) a de Beijng. Está certo que existem cidades na China que ainda possuem a muralha inteira, como Xi`an (西安), mas não tão imponente como aqui. Além do mais, ainda é possível ver vários dos portões. A rua que corta a cidade e leva até o portão mais meridional da cidade, o Zhonghuamen (中华门), secciona-se logo a sua frente e atravessa a muralha através de 2 portões novos construídos à esquerda e à direita do mesmo (Zhonghua Leste e Zhonghua Oeste), de forma que o portão foi transformado em um espécie de parque/museu. Lá é possível ver como o portão (assim como vários outros de Nanjing) possui na verdade 4 portões. Caso o inimigo consiga passar pelo primeiro ainda tem que atravessar mais três até conseguir entrar na cidade, enquanto isso dê-lhe flecha de cima do muro!

A nordeste da cidade fica a Montanha Roxo-Dourado (紫金山), onde se localizam nada menos que três dos maiores atrativos da cidade. Mais a leste fica o Templo do Vale do Espírito (灵谷寺), construído em homenagem ao monge Xuanzang (玄奘), que inspirou o romance que eu estudei na monografia, o Viagem ao Ocidente (西游记), hehe. No centro fica o Mausoléu do Sun Yatsen (Sunzhongshan em mandarim 孙中山), o "pai" da república chinesa. O cara foi o principal líder do movimento revolucionário que derrubou o regime imperial chinês em 1911 e instaurou a república na China, e tanto o Partido Comunista quanto o Guomindang, que se engalfinharam até a vitória do primeiro em 1949, concordam com a importância dele. Já na parte mais ocidental da montanha fica um enorme tumba imperial da dinastia Ming construída no século 14.

Mas para mim o ponto alto da visita a Nanjing foi o Memorial do Massacre de Nanjing. Em 1937 o exército japonês, que já havia invadido a Manchúria em 1931, invadiu Nanjing com ordens de não fazer prisioneiros, de modo a causar um impacto psicológico tão grande nos chineses que abalasse completamente sua moral e destruísse completamente sua capacidade de defesa. A cidade ofereceu pouca resistência, e após sua conquista seguiu-se um período de mais de 1 mês em que se consumou o chamado "Estupro de Nanijing". As estimativas são de que 300 mil pessoas tenham sido mortas nesse período, entre soldados, mulheres, crianças, velhos, etc. Isso sem contar todas as demais atrocidades cometidas, como os estupros em massa, decapitações e enterramentos com as vítimas ainda vivas. O memorial é repleto de materiais e informações documentando o que se passou, e após quase 3 horas ali dentro sai me sentindo muito mal com o que o ser humano é capaz de fazer... Alguns destaques meus:
- Ficou famosa na época no Japão a competição entre 2 oficiais para ver quem cortava 100 cabeças primeiro. Quando o placar chegou a 106 x 104 eles não conseguiram decidir quem chegou primeiro, então resolveram ir até 150. É possível no memorial ver as fotos dos dois posando com as espadas em frente às cabeças tiradas para um jornal.
- Após um certo tempo os japoneses se deram conta de que os estupros estavam fora de controle e criaram "bordéis" pela cidade para satisfazer a soldadesca. As mulheres ali eram vítimas que já haviam sido estupradas antes e agora eram forçadas a ficar presas nesses locais servindo os soldados o dia inteiro...
- Há uma seção do memorial dedicada a homenagear os estrangeiros que viviam na cidade na época e criaram uma zona internacional desmilitarizada para proteger os civis, que acabou salvando cerca de 200 mil chineses. O principal homenageado é o alemão John Rabe, diretor da Siemens na China e (ironias do destino) membro do partido nazista. Mesmo antes da criação da zona internacional ele abriu sua fábrica para abrigar refugiados que foram salvos devido às bandeiras nazistas ali presentes, já que a Alemanha nazista era aliada do Japão. Quem diria que o local mais seguro durante o massacre era justamente embaixo da suástica nazista... Depois de voltar para Alemanha o cara foi acusado pelos nazistas de colaborar com os chineses, após a segunda guerra pelos aliados de ser nazista... Morreu pobre e esquecido e só depois de muitos anos foi descoberto o diário em que ele narra o ocorrido em Nanjing, que posteriormente foi publicado e mais recentemente virou filme (recomendadíssimo, vai ai um link para o trailer: http://mais.uol.com.br/view/a56q6zv70hwb/trailer-do-filme-john-rabe-04023564D0B93366?types=A&)
- Até onde eu sei, o governo japonês nunca reconheceu totalmente o massacre, e nas escolas japonesas passa-se reto por esse assunto (assim como aqui tem gente que nunca ouviu falar no massacre de Tian`anmen). Assim como em relação aos campos de concentração nazistas, existem os revisionistas japoneses que se especializaram em negar as atrocidades cometidas pelo Japão durante a invasão da China, que incluem além do massacre de Nanjing os laboratórios montados na Manchúria que testavam armas biológicas em prisioneiros chineses.
- Por fim, só quero expressar sensação de desamparo que eu senti após o memorial. O triste é perceber após alguma reflexão que não são os japoneses as criaturas capazes de tantos atos de barbárie, mas sim o ser humano como um todo. Quantos massacres não ocorreram antes deste realizados pelas mais diferentes civilizações pelos motivos mais bestas possíveis. E o holocausto judeu que viria logo depois, ou, para dar um exemplo mais próximo, o grau de sofisticação que atingiram os torturadores das ditaduras na América Latina na segunda metade do séc. 20 nas técnicas de inflingir o máximo de dor possível em outros seres humanos, técnicas estas exportadas e utilizadas mais recentemente pelos EUA no Iraque e Afeganistão. Eu sei que soo (sem crase né?) pessimista, mas o ser humano é o único animal na natureza capaz de cometer estas atrocidades, e parece que não está disposto a para tão cedo. Não importa o quão baixo o ser humano possa chegar, ele (nós?) sempre conseguimos descer mais um pouco...

No último dia em Nanjing visitei o cemitério dos mártires, um museu construído em uma montanha onde foram executados diversos membros do partido comunista antes de 1949, durante o governo do Guomindang. O museum consiste em fotos e biografias de vááááários membros do partido comunista que foram mortos até 1949. O mas interessante do lugar é a parte dedicada ao Mao, repleta de fotos, souvenires, DVDs, CDs, livros e uma estátua para tirar foto com incenso aceso na frente, que nem as estátuas nos templos!

Bueno, e depois disso voltei para Beijing, comprei minha passagem para o Vietnã e para lá me vou dia 10. Já estou de visto pronto e com 3 milhões no bolso do dinheiro local (equivalente a uns 350 reais!). Durante esses dias que eu passei aqui entre a minha chegada de Nanjing aproveitei meu quarto novo para assistir vários filmes (inclusive o ótimo "Estômago", brasileiro), dei uma banda de bicicleta pelo centro da cidade e passei por ai com um ugandense e uma uruguaia que eu conheci no hostel em Hangzhou. Provavelmente meu próximo post seja só em setembro, quando eu voltar a Beijing.

sábado, 7 de agosto de 2010

Adendo à parte 1/3 - O borracho fardado

Certo noite em Suzhou eu e mais alguns colegas estavamos esperando o ônibus na parada quando vimos que alguém andando de moto havia se estatelado no chão do outro lado da rua. Corri para socorrer a pobre criatura e acabei ajudando um policial completamente borracho a se levantar do chão. O policial estava completamente bêbado; pediu que eu abrisse o pacote de cigarros dele porque ele próprio não conseguia. Pus a moto dele de pé e um chinês próximo se ofereceu para levar o cara para casa. O policial se recusou e me ofereceu cigarros para agradecer pela ajuda. Após e eu o resto do pessoal que tentou ajudar ele sairmos ainda pude ver o policial ir mijar nas moitas no lado da calçada, huahauhauhau. Pelo menos não o vi subir na moto de novo...